Eu vi o futuro envelhecer,
no espelho onde todos os dias me barbeio.
Um futuro que acordou, novinho em folha,
naquela manhã de abril gloriosa e limpa
cujos ecos ressoam ainda no éter da memória.
Era um jovem de 15 anos, tal como eu,
pleno de ideais adolescentes
de um mundo justo, de uma nova história.
E os olhos brilhavam-lhe com a certeza
de que a estrada à sua frente seria
um épico romance em que o amor tudo vencia.
E tudo haveria de valer a pena:
todas as canções, todas as flores,
todos os poemas titubeantes,
todas as alvoradas a anunciar o dia,
todas as lutas, todas as dores,
todos os beijos, todos os abraços,
todos os gritos de pura alegria,
todas as danças, todos os passos
marcados na poeira dos caminhos.
Mas, 50 anos depois, vejo que o futuro mentiu.
E nos seus avanços e recuos
ao longo da estrada que para trás ficou,
perjurou, falseou, traiu,
deixando apenas pela metade
as belas promessas que cantou.
Podeis argumentar que parte dessa tragédia
é culpa minha, culpa nossa,
porque não fiz, não fizemos, o suficiente,
na tecitura fluída do presente,
para que o futuro se mantivesse
moço e fresco como a utopia
com que fomos adoçando cada dia.
De que nos vale isso agora,
se nos soube a pouco a vida
e o futuro nos escapou por entre os dedos
e simplesmente envelheceu?
50 anos depois daquela manhã gloriosa e limpa,
do outro lado do espelho
onde todos os dias me barbeio,
há apenas um rosto vago, de olhar turvo,
à luz parda do sol de outono,
e o vai e vem da lâmina de barbear
num movimento errático e surdo,
fustigando a alma desiludida.
Carlos Alberto Silva
13/09/2023