Sítio dos Haicais
Da tradição poética oriental recolhi as influências, necessariamente contaminadas pelo contexto cultural que me rodeia. E assim se desfia este «diário poético», feito com as miudezas do dia a dia. [Esta página é redigida em total desprezo pelo actual (des)acordo ortográfico]
25 de abril de 2023
Trovas de Abril
14 de abril de 2023
5 de abril de 2022
Do brincar
Pegas-me na mão e dizes:
- Anda, vamos brincar.
Mas eu respondo:
- Não posso. Agora, não.
Não tenho tempo para jogar.
Ao ver no teu rosto
A sombra da desilusão,
Ensombro-me também eu.
Recordo, num canto
Da prateleira, esquecido,
Um velho brinquedo
Que um dia foi meu.
E dou conta que o menino
Que já fui e em mim mora
Ganha pó, adormecido,
No esconso museu
Do meu coração.
Algo em mim estremece.
Lembro, num baque,
Que o tempo acontece,
Gozemos nós dele ou não.
Acordo então o tal petiz
Do remanso dos dias
Em que fui feliz
E refaço a resposta:
- Agora, sim, pode ser.
Vamos, vamos brincar,
Porque brincar é viver.
16 de janeiro de 2022
Penteia-se a donzela
Penteia-se a donzela
Reclinada em verde manto.
Não é de oiro o pente
Ou de seda a camisa.
Mas nem por isso
é menos bela...
O seu cabelo de pétalas
Quem o penteia
É a brisa.
18 de junho de 2021
Melro à chuva
31 de março de 2021
21 de março de 2021
19 de março de 2021
25 de fevereiro de 2021
24 de fevereiro de 2021
a minha bandeira
11 de fevereiro de 2021
6 de fevereiro de 2021
Rendilhado
24 de outubro de 2020
A menina dos teus olhos
20 de setembro de 2020
25 de abril de 2020
Liberdade
2 de fevereiro de 2020
5 de janeiro de 2020
As nuvens não têm casa
As nuvens não têm casa
- a sua casa é o mundo.
Deixam-se ir nos braços do vento
de terra em terra
e de mar em mar
- vão de quarto em quarto, pela casa.
Por vezes, viajam depressa,
como se estivessem ansiosas
por aportar algures
- têm pressa de chegar a casa.
Outras vezes, vão muito devagar,
como que saboreando
todos os detalhes da paisagem
- querem conhecer todos os cantos à casa.
Carregam a esperança
de um vida renovada
nas gotas da chuva que aspergem
sobre as criaturas sedentas
- cuidam do mundo, cuidam da sua casa.
Assim fôssemos nós, como as nuvens
e o mundo fosse também para nós
a nossa casa.
11 de junho de 2019
19 de abril de 2019
Bola de sabão
À Élida, com amizade
Bola de sabão ao vento
Bailando ao sol da tarde
Num arco-íris de espuma.
Voa por um momento
Sobre a terra seca
E desfaz-se em coisa nenhuma.
Mas logo outra e outra
Se elevam no ar
E continuam a dança.
Relembrando aos incréus
Que a última coisa a finar
É a esperança.
Cidade da Praia
20 de março de 2019
O baile do Equinócio
- Bem-vinda sejas, Primavera!
12 de fevereiro de 2019
Folha ou pássaro
ou um pássaro
adeja nos braços
irrequietos do vento
Um pássaro-folha
de asas nervosas
rabiscando a tela
do horizonte
Uma folha-pássaro
de bico ávido
sorvendo o azul
saboreando a luz
Se folha
se pássaro
tanto faz
O que importa
é a vertigem do voo
que me fascina
e seduz
20 de novembro de 2018
16 de novembro de 2018
11 de novembro de 2018
Um país

Um país nunca é apenas um país.
É muitos mais.
É o país dos ricos
E o país dos pobres.
É o país dos cultos
E o dos ignorantes.
É o país dos nativos
E o dos migrantes.
Dos que cá nasceram
Mas aqui não moram
E o dos que aqui moram
Mas não nasceram cá.
É o país dos citadinos
E o dos provincianos
(mesmo que os primeiros
vivam no campo
e os segundos na cidade).
É o país dos homens
E o país das mulheres
E o das crianças.
É o país dos adultos.
É o país dos adúlteros.
É país dos mansos
E o dos violentos.
O país dos crentes
O dos ateus
O dos agnósticos
E o dos assim assim.
É o país dos católicos
E o dos protestantes
E o dos muçulmanos
E o dos budistas
(mesmo que estes sejam
uma ínfima minoria).
É o país dos camponeses
E o dos operários
O país dos banqueiros
E o dos ladrões
(que os há em todas
as classes e profissões).
O país dos doutores
E dos engenheiros
E o dos almeidas
E dos coveiros.
O país dos heteros
E o dos homos
E o dos bis e o dos polis
E o dos assexuais.
É o país dos cromos
E o das vedetas.
O país da verdade
E o das grandes tretas.
O país onde se desfalece de fome
E se morre de obesidade.
O país dos que sofrem de solidão
E o dos que tentam espantar
Uma solidão maior
No meio da multidão.
O país dos sem abrigo
E o dos que passam ao largo
Em carros topo de gama
(mesmo que estes não tenham
mais nada a não ser dinheiro
e outras coisas que não digo).
...
Por isso, um país nunca é
Apenas um país.
Mas, só na amálgama
De todos estes outros países
E mais alguns de que não se fala aqui
Um país
Poderá ser verdadeiramente
Um país.