Da tradição poética oriental recolhi as influências, necessariamente contaminadas pelo contexto cultural que me rodeia. E assim se desfia este «diário poético», feito com as miudezas do dia a dia. [Esta página é redigida em total desprezo pelo actual (des)acordo ortográfico]
31 de outubro de 2004
(Foto de Carlos Fernandes)
As cantigas da passarada são por momentos abafadas por um outro chilrear mais estridente e vivo: o das crianças em volta de uma nova brincadeira. Correm e saltam. Agora desenham e pintam. Na longa tira de papel, uma sucessão de signos coloridos relata a alegria destes pardais sem asas. Embalados por um sonho sem limites, os seus olhos ingénuos esvoaçam no traço meticuloso do pincel. Brincam. E brincando projectam o futuro.
brincam os gaiatos
como pardais saltitando
de ramo em ramo
desenham um novo mundo
embalados pelo sonho
29 de outubro de 2004
28 de outubro de 2004
27 de outubro de 2004
26 de outubro de 2004
25 de outubro de 2004
24 de outubro de 2004
19 de outubro de 2004
18 de outubro de 2004
16 de outubro de 2004
no princípio era a mãe
a rósea placidez do útero
a candura do peito
o aconchego do feno
e o arcano germinou
na carne translúcida
dos dias
e o coração se consumiu
em dor e lume
e o lume se fez pássaro
e o pássaro entardeceu
enigmático e só
e dele restam apenas
o legado do sangue
o frágil bafo das palavras
o verbo
o verso
a rósea placidez do útero
a candura do peito
o aconchego do feno
e o arcano germinou
na carne translúcida
dos dias
e o coração se consumiu
em dor e lume
e o lume se fez pássaro
e o pássaro entardeceu
enigmático e só
e dele restam apenas
o legado do sangue
o frágil bafo das palavras
o verbo
o verso
12 de outubro de 2004
brancas são as pombas
esvoaçando entre os
brancos castelos de nuvens
nesta mimosa tarde
branca
verdes são as folhas
agitando-se entre os
verdes braços das árvores
nesta viçosa tarde
verde
azuis são as horas
escoando-se entre os
azuis dedos do tempo
nesta ociosa tarde
azul
brancas verdes azuis
são também as palavras
que não é preciso dizeres-me
nesta gloriosa tarde
branca verde azul
esvoaçando entre os
brancos castelos de nuvens
nesta mimosa tarde
branca
verdes são as folhas
agitando-se entre os
verdes braços das árvores
nesta viçosa tarde
verde
azuis são as horas
escoando-se entre os
azuis dedos do tempo
nesta ociosa tarde
azul
brancas verdes azuis
são também as palavras
que não é preciso dizeres-me
nesta gloriosa tarde
branca verde azul
11 de outubro de 2004
9 de outubro de 2004
imaginem
(a John Lennon)
imaginem
que o ódio não fosse mais
que um passageiro equívoco
e não houvesse morte
e que a alma fosse verdade
e a memória do tempo
fosse eterna
e que mesmo que o corpo
se dissipasse
e dele não restasse
mais que um rasto de cinza
continuássemos a viver
nos olhos daqueles que amamos
e nos olhos daqueles que amam
aqueles que amamos
imaginem
imaginem
imaginem
que o ódio não fosse mais
que um passageiro equívoco
e não houvesse morte
e que a alma fosse verdade
e a memória do tempo
fosse eterna
e que mesmo que o corpo
se dissipasse
e dele não restasse
mais que um rasto de cinza
continuássemos a viver
nos olhos daqueles que amamos
e nos olhos daqueles que amam
aqueles que amamos
imaginem
imaginem
8 de outubro de 2004
6 de outubro de 2004
3 de outubro de 2004
O sono da casa
Já nada fala do riso das crianças, do odor da lenha ardendo no borralho, da paciência do gado no curral, do sussurro da chuva no telhado. Que as telhas são, elas próprias, descompassada chuva a caminho do chão. E a madeira retoma a via da natural corrupção. E as paredes se conformam a devolver ao horizontal descanso as pedras que a terra emprestou para esta aventura de ser casa. E as ervas recuperam lentamente um território que é seu. Até que nova aventura se erga em seu lugar.
corpo adormecido
nos braços rudes do tempo
a casa se esvai
tornam as pedras às pedras
e o barro volta ao barro
2 de outubro de 2004
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