22 de abril de 2005

filhas do homem
as cidades são também
seres mortais

eterno é o perfume
que envolve os laranjais

15 de abril de 2005

cortejo festivo
desfilando na avenida -
olaias em flor

10 de abril de 2005

creio na arte da caminhada

no poder das pernas e dos pés
que se recusam a parar

sulcando a erva densa da savana
enfrentando a aridez silenciosa do deserto
trilhando os carreiros pedregosos da montanha
riscando a superfície gelada dos glaciares
deixando marcas ténues mas indeléveis
na poeira dos caminhos

creio no mistério da caminhada
onde finalmente se desvenda a origem da fala

creio na urgência da viagem
pelo ignoto mundo das palavras

Manual de Culinária

Nem só de poesia vive o homem. E a prosa também é para comer?
Tire as dúvidas no Manual de Culinária.

8 de abril de 2005

nos bosques e nos prados
em jardins e em silvados
por encostas e valados

brilha ao sol matinal
o ouro da Primavera

7 de abril de 2005

por entre os dedos
se escapam as palavras
que guardo no redil da minha boca

por entre os dedos
emergem como cabras
desta névoa baça que me sufoca

5 de abril de 2005

nesse rio coleante
que desmanchas sobre o colo

onde o vento entretece
o cheiro do rosmaninho

não sei se navego
e me embalo

ou naufrago
e me afogo

sem saber o caminho

4 de abril de 2005

um leve roçar de pernas
pode provocar uma avalanche

arrastando o corpo à perdição

por vezes
não será preciso tanto

- um mero olhar bastará

3 de abril de 2005

às flores do marmeleiro

singela
no seu vestido de chita
uma donzela
acena sobre o outeiro

- enleia-se a brisa
nas flores do marmeleiro

2 de abril de 2005

à espera da Primavera

Há uma expressão contida no corpo amputado pela intransigência da poda. Uma expectativa. A árvore aguarda pacientemente que o ímpeto primaveril desperte o cimélio que se oculta no mais recôndito do cerne. E um dia, então, o vigor da seiva revelar-se-á numa explosão de pétalas, saudando o ansiado afago das águas de Abril.

tesouro escondido
no mais profundo do cerne
- à espera do sol -

a árvore tem como certo
o sopro da Primavera

1 de abril de 2005

dia das mentiras

larguei as minhas mãos na água
e elas partiram como duas trutas temerárias
nadando contra a corrente forte

voltaram pouco depois
abanando o rabo de contentamento

tinham encontrado no fundo do riacho
as pérolas irisadas dos teus olhos