31 de março de 2007

bandeira hasteada


FOTO: Carlos Fernandes

No alto da sua esguia forma, a velha palmeira solitária rivaliza com os mastros vazios da modernidade. Agita mansamente as suas folhas roçagantes como uma bandeira sempre hasteada, oscilando ao sabor da brisa. Espectadora do frémito que anima as gentes que flúem a seus pés, reivindica um lugar na memória da urbe. Tantas casas que já viu erguer e derrubar para de novo levantar... e tantas vidas…

bandeira hasteada
sobre os telhados da urbe
ao sabor da brisa

- na palmeira ancestral
vive a memória das casas

8 de março de 2007

porque geme a brisa



porque geme a brisa
entre as ervas
lamentando a sua sina de mulher

se o sol enche a tarde de oiro

e até os braços fatigados
da velha macieira
continuam a celebrar a primavera…

4 de março de 2007

luz própria



viras as costas à luz
que te estonteia
- tímida e discreta -

mas basta essa íntima
claridade que te incendeia
de tão secreta

3 de março de 2007

O enigma do gafanhoto


FOTO: Carlos Fernandes

Que novidades trazes tu, gafanhoto saltarelo? Diz-me o que se passa por esse mundo fora, enquanto descansas num fio de erva embalado pela brisa. Fala-me da quentura dos desertos, da verde humidade da densa floresta, do sobressalto constante da savana, do eco das aves de rapina estremecendo a neve da montanha. Fala-me das grandes tempestades que rasgam os céus de espanto, das catástrofes que ensombram o coração das gentes, da demência que lança irmãos contra irmãos, das sete pragas do Egipto, das mil e uma quimeras…
Não és tu o incansável viajante que tudo viu e tudo sabe? Ou serás apenas um pobre bicho provinciano que nasceu e há-de morrer dentro dos limites do meu quintal?

descansa na brisa
baloiçando com as ervas
este gafanhoto

- que coisas sabe do mundo
para lá do meu quintal?