30 de junho de 2004

andorinhas

(à Beatriz)

afagando
a pele enrugada do rio

as andorinhas
matam a sede em pleno voo

vêm e vão com a brisa
que brinca nos teus cabelos

enquanto nadas

rasando as águas
como as andorinhas

28 de junho de 2004

pessegos.jpg

a leve penugem
do pêssego

lembra a tua pele
arrepiada
pelas minhas carícias

27 de junho de 2004

serei eu o barco

serei eu o barco
abraçado à margem

que pergunta às nuvens
que passam
pela emoção da viagem

que nunca viu
na vastidão dos mares
senão uma miragem

que se contenta
com o sorriso da lua
sobre a quieta paisagem

e olha no espelho
das águas onde apodrece
procurando a sua imagem

serei eu o barco
ou uma sombra de passagem

26 de junho de 2004

ameixas.jpg

Pomar perfumado:

rubros como ameixas
os teus lábios
adoçam os meus

25 de junho de 2004

cereja.gif

há cerejas penduradas
nas tuas orelhas

e há em mim
um desejo irreprimível
de as mordiscar

Verão

São como lumes
crepitando
entre a folhagem.

Ó águas do rio:
mandai calar as cigarras.

A vós me entrego -
à míngua de frescura
à míngua de silêncio.

24 de junho de 2004

melancias1.gif

Água na boca:

em tuas maduras
e doces melancias
meus olhos se lambuzam.

23 de junho de 2004

Chuva de Verão:

um líquido véu
envolve a copa exuberante
da tília.

Ao cheiro da floração
mistura-se
o da terra molhada.

Vês aquela ave
sobrevoando
a palidez do horizonte?

Recolhe-se agora
à tépida convicção
do ninho.

Assim o teu rosto
atrás da vidraça.

22 de junho de 2004



os peixes beijam a luz
espelhada
na tranquila superfície
das águas
do rio

e assim transitam
entre o fogo e o gelo

21 de junho de 2004

Há um estranho insecto
percorrendo ansioso
a brancura do papel.

Deixa atrás de si
um rasto de palavras.

20 de junho de 2004

À sesta


Foto: Carlos Fernandes

O calor de Junho debruça-se sobre os telhados, entranhando-se até nas mais acanhadas vielas. Em penumbra se emudecem as casas fechadas: tenta-se em vão conservar a frescura entre as grossas paredes. A quietude é apenas quebrada pelo zumbir dos insectos e pelo eco das horas na torre sineira. Nem o sussurro das rezas, nem o ladrar dos cães… A aldeia deixa-se mergulhar na modorra e dormita um sono breve.

No torpor da sesta -
O sol açoita os telhados
Das casas fechadas.

Só o zumbido das horas
Quebra o sossego da tarde.

19 de junho de 2004

Pregão


do ardor da carne
emerge a palavra

na ebulição do sangue
sublimada

disputando o vento
corre o horizonte

sorvendo o ar frio
na praia serena

reclina-se um pouco
sobre o areal

tomando alento
no beijo da espuma

e ao sol do crepúsculo
ateia o poema

18 de junho de 2004

o perfume da maresia
envolve o corpo
em abandono

e cintila sobre a pele
como um queixume

anunciando a madrugada
no arrepio da brisa

17 de junho de 2004



Escondido nas pétalas
de um rubro botão de rosa -
O primeiro beijo.

16 de junho de 2004

como água
beijando
os sulcos da pedra

como vento
alisando
a palidez da areia

água e vento
o meu olhar em ti

15 de junho de 2004

alentejo


calam-se as aves

adormece na planura
o bafo do estio

só a água do regato
quebra o silêncio da tarde

e desmente a sede

14 de junho de 2004

olhos acesos na bruma
silenciosas e quedas
à beira da estrada

as criaturas da noite
farejam
o hálito das máquinas

mas destas
nem rasto nem rosto

apenas a vertigem do álcool

11 de junho de 2004



alucinação -
um rebanho de papoilas
pasta em silêncio

10 de junho de 2004

A Camões



Chorai ninfas do Tejo
e do Mondego
que o fraco batel do Poeta
naufragou

quando em apagada
e vil tristeza
a pátria que ele amava
se afogou

caladas estão a lírica
e a epopeia
que um dia à gente surda
ele cantou

das lívidas mãos
tombaram já
a dura espada e a doce pena
que empunhou

chorai ninfas, chorai,
chorai bem alto,
que o fraco batel do Poeta
naufragou

9 de junho de 2004

magra silhueta
de amarelo e verde
vestida

ao longo do tortuoso
caminho da serra -
o suave aceno da giesta

8 de junho de 2004

Insónia:

um animal aziago
devora as entranhas
da noite

e enche os olhos
de névoa e sal.

6 de junho de 2004



a alvura das pétalas
ilumina o verde silêncio
da magnólia

saberá a flor que
basta uma centelha
para acender o dia?

5 de junho de 2004



amarelo vibrante
entre o verde das ervas

o bater das asas
da borboleta

talvez o último

3 de junho de 2004

Saturnal

descem pelas dunas
os ébrios ventos
o ardor do cio atiçando o olhar

nos lábios molhados
uma prece pagã
zunindo na areia à luz do luar

em louca folia
correm praia fora
fecundando a noite co'a espuma do mar

2 de junho de 2004

armadilha do tempo
- a espera -
onde o devir se consome

o futuro já foi
e o passado
não chegou a ser