29 de março de 2009

Para além do horizonte


FOTO: Carlos Fernandes

O que nos rodeia mais de perto, achamos que conhecemos como a palma da nossa mão. Porque ignoramos ostensivamente o que não vislumbramos num apressado relance. E idealizamos para além do horizonte uma vida de descoberta e aventura. Uma vida sempre adiada, mas nunca cumprida, porque pura dissonância. E quantos mundos incógnitos se agitam, aqui e agora, debaixo dos nossos pés, à distância de um gesto que no-los anuncie: a efervescência das formigas entre os sulcos da casca do pinheiro; o espanto colorido de uma flor que desabrocha; a coreografia errática do voo das abelhas; a sinfonia matinal das aves despertando o dia… Um horizonte além do horizonte, mesmo aqui ao pé.

Perde-se o olhar
Na linha do horizonte
- O destino é lá!

Abalamos de viagem
Deixando o corpo cá.

1 de março de 2009

Um rio de musgo


FOTO: Carlos Fernandes

Quase todos os invernos, quando a chuva alaga as planícies e fustiga as vertentes da Serra de Aire, o ventre da montanha regurgita abruptamente as águas enlameadas, fazendo-as borbulhar entre lapas e calhaus. As nascentes do rio animam-se por uns dias, primeiro baças com os sedimentos que enriquecem as zonas de aluvião. Depois as águas tornam-se mais límpidas, até à pura claridade do cristal. Mas é então que o ímpeto se abranda e, a pouco e pouco, a torrente mingua até à exaustão. E apenas o vulto esverdeado das pedras desenha o percurso ondeante do que foi um rio tumultuoso.

Dura poucos dias
a intrépida bravata
das águas do rio

- No leito silencioso
demora um rasto de musgo.