29 de outubro de 2006

janela fechada


FOTO: Carlos Fernandes

Lá fora, o sol brinca sobre as telhas, simulando no rebordo das sombras o rendilhado da trapeira. A lacónica brisa joga às escondidas entre as chaminés e faz vibrar os mastros das antenas. No entanto, por detrás dos vidros baços, o silêncio passeia-se na casa fechada, só contrariado pelo marulhar dos insectos xilófagos. Para quando o dia em que de novo se ouvirá o palpitar dos passos no soalho e uma lufada de ar fresco desfraldará a janela?

p’ra lá da vidraça
só o silêncio habita
a casa vazia

até que um dia a janela
se abra de par em par

19 de outubro de 2006

os lírios



silenciosos e flexíveis
agitam-nos por dentro

os lírios

que afluem do interior das sombras
à berma dos campos lavrados

a pétala perfeita e suave
reflectida no espelho inquieto das águas

e a folhagem breve
mais fugaz que um dia de sol

robustos lírios sensíveis ao improviso
aplacai a nossa ânsia profunda

dispensai à carne que se esvai
um pouco da vossa essência oblíqua e vegetal

armazenai no pecíolo sedento
palavras raras, essenciais

das que nem sempre trazem certezas,
mas sim aromas laterais

que de tal ânimo
nos refundem os sentidos

1 de outubro de 2006

fila harmónica

filarmonica.jpg
FOTO: Carlos Fernandes

Em cadência lenta, marcada pela percussão, avança a filarmónica, agitando a rua com o trinado dos clarinetes e das flautas. De vez em vez, insurgem-se os trompetes, rivalizando com os fliscornes, os saxofones e os trombones. Ripostam as trompas e as tubas. E logo estralejam os pratos, no seu brado metálico, a pôr ordem na melodia. Responde o assisado bombardino que é dia de devoção, mas também de folguedos e alegria.

o sopro dos músicos
enchendo a rua de sons
- é dia de festa -

e a gente acorre à janela
a ver a banda passar