20 de fevereiro de 2005

a fala das mãos

De artista ou de tirano, de criança ou de algoz, as mãos humanas são um prolongamento do próprio pensamento, uma marca da identidade individual. Para o bem e para o mal, o homem recria com as suas próprias mãos o mundo que o rodeia: com elas constrói casas e bombas, semeia trigo e escreve poemas. E quando já mais nada lhe resta, são as suas próprias mãos que ergue ao alto …em prece.

com as mãos te falo
pois está para lá das palavras
a fala das mãos

na escrita muda do gesto
o silêncio ganha voz

10 de fevereiro de 2005

espera por mim Corto Maltese

deixa-me beber
do elixir da eterna juventude
e tornar-me como tu
num andarilho sem idade

quero ir contigo
para as ilhas da fantasia e da aventura
a bordo de um velho veleiro
pirata ou talvez não

deixa-me levar só
o saxofone de Garbarek
e a cítara de Shankar
para encher de melancolia
as noites quentes dos mares do sul

quero entregar o corpo cansado
nos braços de uma mestiça sorridente
de olhos de amêndoa
e admirar o súbito poente
do sol meridional

espera por mim Corto Maltese

espera por mim

espera

6 de fevereiro de 2005

é preciso sacudir
de novo
o torpor das palavras

ruminando entretidas
o pasmo dos dias

é preciso sangrá-las
com o rigor do chicote

fazendo-as galopar
esbaforidas
pela planície da página

para que a luz matinal
derreta a geada
que nos tolhe o peito