30 de novembro de 2003

Negra sementeira -
Alinhavam-se as palavras
Na página branca.

Entre os dedos frenéticos,
A pena esvai-se em poema.

27 de novembro de 2003

Depois da chuva -
O sol solta reflexos
Nas folhas outonais.

Chilreios da passarada
Ecoam entre os carvalhos.

26 de novembro de 2003

A água da chuva
Derrama-se do beirado -
Timbre de cascata.

Uma cortina de nuvens
Amordaça o horizonte.

25 de novembro de 2003

À sombra da ponte,
Cobrindo o canavial:
Manto de geada.

Sobe, lento, o vapor
Das águas ralas do rio.

24 de novembro de 2003

Pipilar de pássaros.
No ar frio da manhã,
O sol espreguiça-se.

A brisa traz o odor
De laranjas descascadas.

23 de novembro de 2003

Aves migratórias -
Passam as nuvens no céu
Ensombrando o sol.

22 de novembro de 2003

Pinheiro ao crepúsculo -
O vermelho do horizonte
Incendeia as nuvens.

Adormece na penumbra
O vulto sereno das casas.

21 de novembro de 2003

Povoando a turfa -
Com as chuvas de Outono,
Acordam os fungos.

Tracejado a giz -
Um anel de cogumelos
Na clareira aberta.

Na cúpula rubra,
Salpicos de «chantilly» -
O sonho de Alice.

20 de novembro de 2003

Passeio no bosque –
Na luz velada da tarde,
O manto de musgo.

O melro debica as bagas
Rubras do medronheiro.

19 de novembro de 2003

Vénia matinal -
Cedem as folhas das canas
Ao peso do orvalho.

18 de novembro de 2003

9h20

No passeio público,
À procura de migalhas –
Pardal solitário.

13h00

O vento sacode
As folhas do velho choupo –
Chuva de confeitos.

18h00

Serpente de luz –
A fila de automóveis
De regresso a casa.

17 de novembro de 2003

09h00

A chuva de Outono
Vestiu os campos de verde –
Ovelhas no pasto.

14h00

Tráfego voraz –
O cadáver de um cão
Na beira da estrada.

17h00

Sombras no riacho –
Abraçados, os ulmeiros
Mergulham na água.

21h30

A noite arrefece –
Solta-se o odor da cinza
Do lume apagado.

16 de novembro de 2003

O vento agita
A roupa no estendal -
Bandeiras içadas.

Na brancura dos lençóis,
Um manifesto de paz.

15 de novembro de 2003

Laranjal no Outono -
Acorda a luz do Verão
Entre as folhas verdes.

Ignorando a chuva -
Nos braços da laranjeira
Há sóis pendurados.

Na mesma ramada -
Convivem os frutos antigos
Com as laranjas novas.

14 de novembro de 2003

Nas pedras do monte
Viceja o alecrim -
Verde eremita.

13 de novembro de 2003

Despoja-se o plátano


Despoja-se o plátano -
O tapete de folhas secas
Geme sob os pés.

12 de novembro de 2003

Fim de dia: a luz sumida do crepúsculo. A brisa mal se faz notar, é quase um suspiro. O nevoeiro estende-se lentamente, como um véu gigantesco que tudo abafa. O seu abraço húmido e pardo confere um tom irreal à paisagem. Na berma da estrada, as árvores imóveis são vultos fantasmagóricos de braços estendidos. Vigiam a chegada da noite.

Espectros calados -
As oliveiras antigas
Na névoa de Outono.

11 de novembro de 2003

Canto ao vinho novo

Canto o vinho novo
Gorgolejando das pipas
Ofegante na trasfega

Canto o suor da labuta
Misturado na dorna
Ao sangue das uvas tintas

Canto o odor da adega
Plena de ventres bojudos
De venerável madeira

Canto a memória dos cestos
Encostados à parede
Fantasiando a vindima

Canto o travo da terra
E o brilho vermelho do sol
Nos jarros de barro liso

Canto a dança dos copos
Tinindo saudações
Aos frutos da novel colheita

Canto e bebo um trago
Olhando a nudez da vinha
Aspirando o ar da tarde

10 de novembro de 2003

Ressentem-se os ossos
Na humidade do dia –
Outono do corpo.

9 de novembro de 2003

A luz do luar
Avoluma o mistério
Da árvore quieta.

A nuvem abranda
A sua marcha vagabunda -
Emudece a brisa.

O beijo da treva
No rosto lunar da deusa -
É noite na noite.

Cala-se o rumor
Da nocturna criatura -
Eclipse da lua.

8 de novembro de 2003

Tanka – Ursinho verde

Sentinela atenta
Da infância longínqua:
O ursinho verde.

Na mesa-de-cabeceira,
Uma migalha do tempo.

7 de novembro de 2003

Bruma arroxeada -
Flores tardias da urze
Na berma da estrada.

6 de novembro de 2003

Sob a acção do vento, o salgueiro que cresce encostado à ponte afaga a cabeça dos peões apressados que atravessam o rio, com os seus longos, finos e verdes ramos.

Verde agitação -
Os cabelos do salgueiro
Debruçado no rio.

Passeia o vento
Nos ramos em desalinho -
Amante inquieto.

Carícias maternas -
Na cabeça dos passantes
O afago da árvore.

5 de novembro de 2003

Numa das ruas da cidade, uma árvore largou todas as suas folhas, redondas e amarelas, que atapetam o chão do passeio como pequenos sóis muribundos...

Reflexo amarelo
do pálido sol de Outono -
A folha no chão.

4 de novembro de 2003

Flores na muralha -
Odores de Primavera
Em pleno Outono.

3 de novembro de 2003

Chuva

Seio transparente
Deslizando na vidraça -
A gota de chuva.

Lágrima de amor?
Gota de água sensual
Na janela fechada.

2 de novembro de 2003

Tanka

As musas do Lis*
Morreram assassinadas
Às portas da urbe.

Jazem no fundo do rio
Submersas pelos detritos.

*Líseas era o nome dado às ninfas inspiradoras do Lis, o rio que nasce (e morre) próximo de Leiria, transformado num esgoto imundo.

Enxurrada

Do ventre da terra
Brotam as águas do rio -
Tímido regato.

O impulso da chuva
Açoita as águas do rio -
Cresce a enxurrada.

O bramir do vento
Excita as águas do rio -
Bicho acossado.

A curva da várzea
Acanha as águas do rio -
Irrompe das margens.

O beijo da terra
Tempera as águas do rio -
Fecunda a planície.

Um desejo ardente
Fustiga as águas do rio -
O abraço do mar.

1 de novembro de 2003

Surpresa de Outono -
Após a chuva nocturna,
O dia lavado.

Depois do fogo


(Em memória do incêndio que devastou a Senhora do Monte, Cortes - Leiria, no final do Verão de 2003)

A chuva corrói
As chagas negras do fogo
Na encosta do monte.

Sob o aguaceiro,
Um longo traço a negro
Varre o horizonte.

Há cinza no chão,
Cinza no céu carregado,
Na água que corre…

No pranto da chuva,
A morte cruel das árvores.
Não mais vão florir.

Perdido no fumo,
O voo gracioso das aves.
Não mais vão cantar.

Fantasmas sem voz.
Os esqueletos calcinados
Da vegetação.

Sementeira de pedras.
Arrebatada na torrente,
A alma da terra.